‘Capitã Cloroquina’ nega que governo Bolsonaro tenha indicado cloroquina contra coronavírus
A secretária de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro – conhecida como “Capitã Cloroquina” – disse nesta terça-feira (25/05) à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid que o ministério “nunca indicou medicamentos” para o tratamento da covid-19.
“Criamos um documento em que estabelecemos doses seguras para que os médicos possam indicar”, afirmou. “Nunca recebi ordens e o uso desse medicamentos não é uma iniciativa minha pessoal.”
Pinheiro foi quem sugeriu o desenvolvimento do TrateCov, um aplicativo com o propósito de auxiliar médicos no diagnóstico e tratamento da covid-19, segundo o ex-ministro Pazuello. Na prática, o aplicativo recomendava o coquetel de medicamentos sem eficácia indiscriminadamente, até mesmo para bebês.
A plataforma acabou sendo retirada rapidamente do ar após críticas, e Pazuello disse à CPI que ela foi disponibilizada indevidamente “por um hacker”, apesar de o governo ter oficialmente divulgado o TrateCov, com direito à lançamento na TV Brasil.
Pinheiro está no atual cargo desde o início do governo Bolsonaro e permaneceu na pasta apesar de três trocas sucessivas de ministros durante a pandemia. Sua indicação é atribuída diretamente ao Planalto.
A médica pediatra ganhou mais projeção na gestão do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello ao se alinhar integralmente ao presidente e ao ministro a favor do “tratamento precoce” – uso de remédios sem eficácia comprovada contra a covid-19, como a cloroquina, azitromicina e ivermectina. Pinheiro não tem experiência em imunologia.
Informações falsas na defesa da cloroquina
Desde o início da pandemia, a secretária foi ativa em defender o uso de medicamentos ineficazes contra a covid-19 e na crítica ao isolamento social.
Em entrevista concedida em abril de 2020 ao canal no YouTube da Associação Brasileira de Psiquiatria, por exemplo, ela compara a recomendação para que a população fique em casa (com objetivo de reduzir o contágio do coronavírus) à perda de liberdade de pessoas presas.
Na mesma ocasião, a secretária disse que já existiam estudos amplos e com rigor científico aprovando a eficácia da hidroxicloroquina associada à azitromicia. Pesquisas realizadas até o momento, porém, apontam justamente o contrário.
“A gente já tem estudos com 600, com 500 pacientes que mostram, (estudos) randomizados, duplo-cegos, controlados, mostrando a taxa de sucesso muito alta. Mostrando que a gente tem sim agora a possibilidade de iniciar, quando as pessoas começam a ter sintomas, iniciar o uso dessa medicação hidroxicloroquina associada à azitromicina”, afirmou na ocasião.
Estudos randomizados e controlados são pesquisas científicas em que os voluntários são distribuídos aleatoriamente em dois grupos (os que recebem o medicamento testado e os que recebem placebo). E duplo-cego significa que nem os voluntários nem os médicos sabem previamente as pessoas que tomaram cada uma dessas substâncias.
São técnicas consideradas fundamentais em pesquisas sérias. Já existem diversos estudos desse tipo que atestam a ineficácia da hidroxicloroquina contra a covid-19. Um deles é o do Recovery Trial, feito no Reino Unido. Numa análise de mais de 4.500 pacientes hospitalizados, o uso de hidroxicloroquina e azitromicina não trouxe benefício algum.
Um painel de especialistas internacionais da Organização Mundial da Saúde (OMS) concluiu, em março deste ano, que o medicamento não previne a infecção, fazendo uma “forte recomendação” para que não seja usado. Esta forte recomendação é baseada em seis estudos clínicos com evidências de alto nível que somam mais de 6 mil participantes.
Também não há evidências de que a ivermectina, fármaco usado no tratamento de parasitas como piolho e sarna, ajude no tratamento da covid-19. Os estudos disponíveis até agora são inconclusivos.
Por isso, a Agência Europeia de Medicamentos é contrária ao uso de ivermectina no tratamento da covid-19. Após revisar as publicações sobre o medicamento, a agência considerou que os estudos possuíam limitações, como diferentes regimes de dosagem do medicamento e uso simultâneo de outros medicamentos.
“Portanto, concluímos que as atuais evidências disponíveis são insuficientes para apoiarmos o uso de ivermectina contra a covid-19”, concluiu a agência.
A própria fabricante da ivermectina, a farmacêutica MSD, afirmou em fevereiro que não existem evidências de que o medicamento tivesse efeito contra a covid-19.
As empresas fabricantes de cloroquina também não pediram à Anvisa a inclusão do tratamento à CPI no rol de doenças tratadas pelo medicamento.
Fonte: Terra