Educação Política: ‘Não se faz democracia com preconceitos e guetos de escravidão’, diz Arthur Virgílio em webinar sobre a Lei Maria da Penha
“O Brasil não é um país pobre, mas um país injusto”, afirmou o ex-senador Arthur Virgílio Neto, durante o webinar “15 Anos da Lei Maria da Penha”. Ao destacar os avanços e defender penas mais duras para os crimes de violência contra a mulher, Virgílio disse que é preciso acabar com os preconceitos e estabelecer, de uma vez por todas, a equidade entre as pessoas de qualquer gênero, cor ou credo. “Não é possível tolerar a violência contra mulheres, negros, índios, homossexuais, pelo simples fato de serem mulheres, negros, índios e homossexuais. É o preconceito o que move esses crimes. E não se faz democracia com preconceitos, com diferenças de direitos, desrespeitos e guetos de escravidão”, defendeu.
O webinar é mais uma realização do Núcleo de Educação Política e Renovação do Centro Preparatório Jurídico (CPJUR), coordenado pelo ex-senador, ex-prefeito de Manaus e presidente do PSDB-AM, Arthur Virgílio Neto, e teve como debatedoras a ministra do Superior Tribunal Militar (STM), Maria Elizabeth Rocha, primeira mulher a presidir o STM, além da presidente do PSDB Mulher-AM, ex-deputada federal e ex-secretária municipal da Mulher, Assistência Social e Cidadania, Conceição Sampaio. O encontro foi mediado pelo diretor de Educação Continuada da Fametro, Filipe Venturine, com transmissão pelo YouTube.
Na avaliação de Arthur Virgílio, a Lei Maria da Penha foi um divisor de águas no combate à violência contra a mulher, mas ainda há números muito elevados de violência doméstica e feminicídio, necessitando punições mais duras. “É inconcebível que um homem, gerado por uma mulher, aja com violência contra outra mulher”, indignou-se. Ele também defendeu que os mecanismos de defesa e proteção da Lei Maria da Penha sejam estendidos às homossexuais e transgêneros, como já é entendimento com jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A Lei Maria da Penha, assinada em 7 de agosto de 2006, é considerada pela Organização das Nações Unidas como a terceira melhor legislação do mundo de proteção e garantia dos direitos da mulher e criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, consagrando os dispositivos da Constituição Federal brasileira, da Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres e, também, da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Violência Contra a Mulher. Entre as medidas, estão a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, alteração do Código de Processo Penal, do Código Penal e da Lei de Execução Penal.
De acordo com a ministra Elizabeth Rocha, são inúmeros os benefícios trazidos pela Lei Maria da Penha, como a criação de medidas protetivas de urgência para as vítimas de violência doméstica, o reforço das Delegacias de Atendimento à Mulher, da Defensoria Pública e do Ministério Público e a formação de uma rede de serviços de atenção à mulher em situação de violência doméstica e familiar.
“A partir da Lei Maria da Penha, foi determinado ao Estado a adoção de medidas de caráter social, preventivo, protetivo e repressivo”, disse a ministra, que reforçou que a Lei Maria da Penha trouxe avanços históricos em favor do direito das mulheres, em uma sociedade extremamente patriarcal, promovendo o tratamento diferenciado à violência de gênero.
“Desde as primeiras constituições, o processo legislativo brasileiro assegurava o princípio da igualdade, passando pelas garantias das trabalhadoras grávidas na Era Vargas, mas todos sabemos que a luta exitosa dos movimentos feministas se consolidou na Constituição Cidadã de 1998”, destacou a ministra. “Ali foram definidos vários mecanismos de proteção, defesa e igualdade, que foram perpassados para as constituições estaduais, mas a Lei Maria da Penha foi uma evolução na garantia da proteção dos direitos das mulheres, trazendo conquistas importantes para o movimento feminista e movimento da cidadania”, completou Elizabeth.
A ministra também lamentou que a Lei Maria da Penha não tenha alcance na esfera da Justiça Militar, não podendo os militares – vítimas e agressores – serem submetidos aos tribunais civis, uma vez que a Lei 13.491 ampliou a competência dos tribunais militares. “Eu não vejo dessa forma, mas sou vencida no meu posicionamento. Apesar de serem legislações especiais, para mim não há conflito de normas”, finalizou.
Conceição Sampaio também destacou, como um dos principais avanços, o reconhecimento da obrigação do Estado em garantir a segurança das mulheres nos espaços públicos e privados, tanto na prevenção e atenção ao enfrentamento da violência, quanto ao atendimento às mulheres vítimas. “A partir da Lei Maria da Penha, o Governo Federal foi obrigado a adotar essas medidas e formar um pacto federativo com estados e municípios para fortalecer essa rede, porque é reconhecido que não se trata apenas de denunciar a violência, é preciso atender essa mulher, que muitas vezes está amarrada ao violador, ao seu atacante, pelo aspecto econômico”, destacou Conceição Sampaio, que foi relatora do plano nacional de enfrentamento à violência, na Câmara dos Deputados.
A ex-deputada defendeu, ainda, a necessidade de ações integradas de educação para reforçar o reconhecimento dos direitos da mulher. “A violência contra a mulher é um problema da sociedade que precisa vivenciar a Lei Maria da Penha e desconstruir um sistema patriarcal, que trata a mulher como objeto. Só uma lei não muda a sociedade, mas a educação muda!”, concluiu Conceição.
Mulher na política
Um dos pontos altos do debate foi a necessidade de a mulher ocupar cada vez mais espaços na política. A ministra comemorou a “inédita vitória” das mulheres com a sanção da Lei 14.192, no último dia 5 de agosto, que estabelece regras para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher. A lei se origina da PL 5613/2020, aprovada pelo Congresso Nacional, e criminaliza os abusos e determina que o enfrentamento a esse tipo de violência faça parte dos estatutos partidários. O tema levou à discussão sobre a representação feminina na política.
“Eu vejo uma trama muito antiga para reduzir o percentual de mulheres candidatas com alegação simplórias de que não há mulheres fortes no voto e isso não seria benéfico aos partidos políticos. Eu não vejo os partidos se dedicarem a buscar essas mulheres qualificadas, que estão por aí espalhadas no empreendedorismo, nas repartições e empresas. Nosso dever é chegarmos a uma representação compatível com a superioridade numérica das mulheres população”, defendeu Arthur Virgílio. “Precisamos encarar isso como avanço, como marco civilizatório”, pontuou.
Conceição Sampaio também destacou que a política é o espaço de decisão e a mulher não consegue participar, muitas vezes, pelas dificuldades que elas enfrentam no dia a dia. “A mulher precisa assumir o papel de protagonista, mudar esse cenário. E, neste momento que se discute uma nova reforma política, que não haja retrocesso em nenhum avanço. Não aceitaremos nada menos que os 30% já assegurados”, lembrou.