Bolsonaro manda Polícia Federal intimidar CPI da Covid e senadores reagem
A cúpula da CPI da Covid promete reagir às investidas do governo Jair Bolsonaro, que tenta pressionar e intimidar os trabalhos da comissão usando inclusive a Polícia Federal (PF). Na tarde de hoje (4) – durante depoimento do ex-assessor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, o coronel Marcelo Blanco – surgiu a informação de que a PF abriu inquérito para apurar suposto vazamento de depoimentos sigilosos enviados pela corporação à CPI. As investigações da PF em questão são referentes à vacina Covaxin. O vice-presidente do colegiado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), acatou sugestão do senador Fabiano Contarato (Rede-ES) para que a comissão entre no Supremo Tribunal Federal com habeas corpus para “trancar” o inquérito.
O senador anunciou também que pedirá ao presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), “para que sejam tomadas as providências devidas contra o senhor ministro da Justiça (Anderson Torres) e contra o diretor geral da Polícia Federal (Paulo Maiurino)”. Segundo ele a Lei 1.579, de 1952, caracteriza como crime “impedir ou tentar impedir, mediante violência, ameaça (…)”, o funcionamento de CPI. “Acho que o ministro da Justiça deve se chamar Anderson Torres, não Franz Gürtner, afirmou Randolfe, citando ministro da Justiça de Adolf Hitler.
Os senadores do G7 – grupo de oposição ao governo que compõe a CPI da Covid – demonstraram indignação. A tentativa de Bolsonaro e seu governo é “transformar a PF em polícia política”, afirmou Randolfe. Para Otto Alencar (PSD-BA), “a estrutura do governo está montada para proteger depoentes como Marcelo Blanco”. “O governo treina esse pessoal para que venha aqui fazer esse ato cênico deplorável de mentir.” O parlamentar baiano disse também que a CPI está ouvindo “uma corporação de mentirosos”. Em coletiva após a oitiva, o relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), disse que “o Brasil virou cemitério do mundo”.
Coincidência?
Os senadores de oposição e independentes consideraram “estranha” a coincidência entre o anúncio do inquérito da PF sobre supostos vazamentos da CPI e uma acusação feita pouco antes pelo senador bolsonarista Marcos Rogério (DEM-RO) – com sua habitual tática de tumultuar as sessões. O governista denunciou o que chamou de um “gabinete digital paralelo” da CPI que repassaria documentos sigilosos a internautas. A intervenção do aliado de Bolsonaro e o inquérito da PF provocaram reação incomum do normalmente cordial presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM).
Segundo Aziz, a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) do governo boicota a CPI da Covid ao não enviar informações ou enviá-las incompletas. “Não vejo dos órgãos, a não ser do ministro Alexandre de Moraes (do STF), rapidez para investigar fake news que mataram brasileiros. Não existe inquérito contra a senhora Mayra Pinheiro (ainda secretária de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde). Ela foi no meu estado e na cidade de Manaus e lá levou a morte a centenas de amazonenses. Em vez de nos dar oxigênio, nos deram cloroquina. Não vi até agora ninguém representar contra essa senhora”, disse Aziz. “É um claro crime contra a vida.”
“Aqui não tem otário”
Antes, o presidente da CPI reagiu à insolência de Marcos Rogério. “Onde o senhor não vê corrupção, a gente vê corrupção passiva. Onde não vê administração caótica, eu vejo, e o Brasil está vendo”, disse o presidente. Ele citou como “exemplo de caos” o fato de Onyx Lorenzoni ocupar quatro ministérios em pouco mais de dois anos e meio de governo: Casa Civil, Cidadania, Secretaria-Geral e agora, Emprego e Previdência, pasta recém-criada apenas para acomodar o aliado de Bolsonaro. “É o maior quebra galho que tem no Brasil hoje”, acrescentou.
“Aqui não tem otário, não”, prosseguiu Aziz dirigindo-se a Rogério. “Vossa excelência não é nenhum menino para acreditar em conto da carochinha, rapaz”, prosseguiu. O bolsonarista tentou interromper: “quando não agrada vossa excelência…”, mas foi cortado. Aziz aumentou o tom de voz: “Quando não agrada, não. Você quer desqualificar a CPI toda hora. Isso aqui que estamos mostrando é o governo que vossa excelência defende. Um governo desqualificado sim!”
Marcelo Blanco
O depoimento do coronel Marcelo Blanco (assessor de Roberto Dias no Departamento de Logística da pasta) à CPI da Covid foi emblemático da militarização do Ministério da Saúde e sua transformação em balcão de negócios em plena pandemia. Ele deixou o ministério em janeiro, mas sua exoneração só foi publicada no Diário Oficial da União em 30 de junho deste ano.
Enquanto isso, negociava, ou tentava negociar, vacinas para o mercado privado, segundo Blanco, em atividade empresarial própria. Mas estava na famosa “reunião” ocasional durante um happy hour de fim de tarde no dia 25 de fevereiro – da qual participou o suposto vendedor da vacinas Luiz Paulo Dominguetti e o ex-diretor de Logística Roberto Dias, acusado de pedir propina.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) mostrou dados segundo os quais Blanco trocou 108 ligações com Dominguetti em 30 dias, das quais 64 foram de iniciativa do próprio coronel Blanco. “(Falou) por iniciativa sua com um bando de criminosos, estelionatários, que queriam receber vantagem financeira em negociações com o Ministério da Saúde, exatamente com o setor do qual o senhor fazia parte”, disse o senador.
Citando as oitivas de Blanco e do “reverendo” Amilton, Simone Tebet (MDB-MS) se declarou indignada com a deterioração da credibilidade da religiosidade e das Forças Armadas pelo governo Bolsonaro. “Soldados que se deixaram levar pela corrupção são desertores”, afirmou a senadora ao coronel.
Fonte: Rede Brasil Atual